II Encontroa da Periferia e do Campo - Arte e Resistência
OS DESAFIOS DE UM
TEATRO QUE VEM DAS MARGENS: POLÍTICA E RESISTÊNCIA”
Por Herê Aquino
Primeiramente, eu gostaria de parabenizar os idealizadores e
realizadores desse evento, principalmente por trazer para os dias de hoje, tão
acomodado ao individualismo, segregação e espetacularização da arte, a
discussão sobre a produção artística e cultural produzida às margens dos
grandes centros urbanos, bem como a sua importância.

Fazendo uma retrospectiva histórica, podemos constatar que no
início do século XX o teatro se tornou, em nosso estado, quase um sinônimo de
progresso, o que levou os gestores públicos a voltarem seus olhares para essa
arte. O intuito era simples, conquistar o tal status de crescimento e
desenvolvimento social para o estado. Essa visão foi registrada em um periódico
da época, o Jornal do Ceará, que afirmava: Acertados são, sem dúvida, os
desejos expostos em favor dos artistas, elemento forte e poderoso, que em todo
país civilizado concorre com seu prestígio para a formação e organização do
Estado, constituindo uma classe nobre, digna e respeitada. (...) O jornalista
continua: Os artistas, no momento atual, são impulsionados pelo nobre dever,
que lhe ocorre, como a qualquer bom cearense, de pelejar pela liberdade e pelo
engrandecimento da sua terra natal. E conclui dizendo: num país civilizado, os
artistas possuem um valor estimado, uma classe nobre e laboriosa, que enaltece
a sua nação, estado e cidade.
Dessa matéria podemos claramente perceber que o interesse dos
gestores não estava em proporcionar o desenvolvimento do teatro enquanto arte,
mas, unicamente, no status de progresso social e econômico que ele,
simbolicamente, trazia.
Saltando um pouco na história, chegaremos em 1970, período em
que o Brasil viveu uma forte ditadura militar que repercutiu, profundamente, na
arte e na cultura do país. Essa fase, que ficou conhecida como os “anos de
chumbo” atingiu, também, os artistas cearenses, que perceberam a necessidade de
se organizarem para poder garantir o seu direito de expressão como cidadão e
artista. Nessa fase surge então, a primeira entidade representativa do setor,
pelo menos que se tem notícia: a Federação Estadual de Teatro Amador –
FESTA-CE, bem como um esboço do que hoje chamamos, teatro de grupo. Infelizmente,
dessa fase, quase nada se tem, mas sabe-se que a federação cumpriu um
importante papel no que tange a luta por liberdade e abertura democrática, reafirmando
o espaço do teatro na sociedade.
Indo um pouco mais adiante, últimas décadas do século XX até
os dias de hoje, podemos afirmar que o teatro cearense teve iniciativas
governamentais que podemos considerar como avanços do setor. Alguns exemplos: a
construção de novos espaços e de centros culturais que dinamizaram, de uma
certa forma, a realização de eventos teatrais, a criação de escolas e cursos
voltados para a formação de atores e diretores teatrais; algumas iniciativas no
que tange a políticas públicas para a cultura, restritas ainda, praticamente, a
políticas dos editais, o crescimento na capital e no interior da produção
teatral a partir de grupos, bem como o fortalecimento desses coletivos.
Nesse processo de amadurecimento dos artistas e da própria
compreensão sobre o profissionalismo de nossa arte, percebeu-se que era
necessário se juntar, construir possibilidades para produzir, dar voz aos
nossos desejos e, principalmente, criar as forças e o espaço necessário para
que pudéssemos sobreviver do nosso próprio trabalho. Mas, de forma dolorosa, os artistas
também entenderam que o teatro, elaborado a partir dos grupos, não interessava
ao sistema, pois não gerava capital, não gerava lucro, não fomentava o grande rei,
o mercado. E se não alimentava o mercado era, portanto, produto descartável, já
que em nossa economia todas as atividades humanas devem ser mercantilizadas.
Em resposta a essas questões o final do sec XX e início do século
XXI viu nascer diversos movimentos teatrais, que colocavam, agora, os artistas como protagonistas da
cena. A luta foi ampliada para que o teatro fosse visto como um bem imaterial e
a cultura como obra e identidade de um povo.
Compreendeu-se, afinal, que o direito não é dado, mas conquistado e que
todo direito é fruto do exercício da luta.
Esses novos grupos perceberam a necessidade de um engajamento
político e social na luta por políticas públicas de estado para a cultura. Movimentos
como o 27 de Março, Trabalhadores da Cultura, Arte Contra a Barbárie; Rede
Brasileira de Teatro de Rua e o Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo –
Redemoinho continuam construindo a história do teatro Brasileiro. No Ceará a Conexão
Nordeste de Teatro, o Movimento Todo Teatro é Político; O Movimento Pró
Cooperativa Cearense de Teatro, a Guerrilha do Ato Dramático Caririense, e mais
recentemente o MAR – Movimento Arte e Resistencia demarcaram e alguns ainda continuam
demarcando, importantes espaços na luta
contra gestores públicos, que comparam o processo de criação artística com a
fabricação de mercadorias.
Foi com a compreensão dessas conjunturas que grupos e
artistas desenvolveram espaços de diálogo, ferramentas coletivas de luta,
instrumentos de gestação de ideias e objetivação de novas propostas. Nessa luta
não podíamos esquecer, que estávamos numa sociedade que se negava a ouvir vozes
contrárias ou espetáculos não ditados pela publicidade, empresários e
televisão. Em resposta a esse contexto, nasce então “O Movimento Todo Teatro é
Político”, lançado em Fortaleza no dia 27 de março de 2009, em um manifesto na
Praça do Ferreira, com o objetivo primeiro, de lutar por políticas públicas
para o teatro nos níveis municipal, estadual e federal e para fomentar o teatro
no Ceará, pleiteando, principalmente, o diferencial dos grupos e artistas como
sendo os reais protagonistas da ação. Nessa fase ficou claro que a luta por
políticas públicas para a cultural era também uma luta política e social.
Sendo assim, nossa luta pelo teatro reafirmou-se, cada vez
mais, na luta por uma sociedade onde as manifestações artísticas não sofressem constantemente
a pressão da indústria cultural globalizada e mercantilista. Entendemos que a democratização
dos recursos culturais, contribuía para que a cultura e a arte não fosse despojada
do pensamento crítico e nem dependente da tal lógica do mercado, que alicerçava
uma sociedade alheia aos direitos básicos do cidadão. Por isso discutimos não
apenas o fazer teatral, mas também o papel do artista e da arte em nossa
sociedade.
A pesquisa de linguagem, a investigação dos processos de
trabalhos dos grupos e a aquisição das sedes demarcaram novas formas de
produção teatral, passando a impulsionar a ideia de cultura como um bem
imprescindível para o desenvolvimento humano e a reafirmação da vida.
Portanto, podemos concluir, que o teatro do Ceará constrói em
nossos dias a oportunidade de escrever um novo (re)começar, composto por
diferentes mãos e pensamentos.
Eu gostaria de terminar essa explanação com uma citação do
manifesto da Arte Contra a Barbárie, luta que terminou com a vitoriosa
conquista da lei de Fomento ao teatro na cidade de São Paulo.
“Nosso compromisso ético é com a
função social da arte. A produção, circulação e fruição dos bens culturais é um
direito constitucional, que não tem sido respeitado. Uma visão mercadológica
transforma a obra de arte em "produto cultural". E cria uma série de
ilusões que mascaram a produção cultural no Brasil de hoje. A atual política
oficial, que transfere a responsabilidade do fomento da produção cultural para
a iniciativa privada, mascara a omissão que transforma os órgãos públicos em
meros intermediários de negócios. A aparente quantidade de eventos faz supor
uma efervescência, mas, na verdade, disfarça a miséria de investimentos
culturais a longo prazo que visem à qualidade da produção artística. A maior
das ilusões é supor a existência de um mercado. Não há mecanismos regulares de
circulação de espetáculos no Brasil. A produção teatral é descontínua e no
máximo gera subemprego. Hoje, a política oficial deixou a cultura restrita ao
mero comércio do entretenimento. O teatro não pode ser tratado sob a ótica
economicista. A cultura é o elemento de união de um povo que pode fornecer-lhe
dignidade e o próprio sentido de nação. É tão fundamental quanto a saúde, o
transporte e a educação. Deve ser, portanto, prioridade do Estado.”
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