Encantrago "aos olhos, nervos e vísceras"... de Tiago Castelo

 Tiago Castelo, foi espectador do "Encantrago" na apresentação no palco principal do Theatro José de Alencar, aqui em Fortaleza no dia 09/06/10 e nos escreveu por e-mail suas sensações do espetáculo.

"Cheiro de sertão eu senti e cor de cozinha-da-minha-avó eu vi quando sentei no palco principal e em envolvi na atmosfera de Encantrago. E me vi nos tempos em que eu corria de pés descalços na terra quente, respirando o mormaço quente da chuva que nunca vinha, do ar quente dos quintais da rua onde mora minha avó materna, em Canindé. Lá pras bandas de 1996, por aí. Eu subindo em árvores e comendo frutas quentes, e minhas tias correndo atrás de mim para eu tomar banho. E o que eu queria era ficar ali, de pés descalços, no chão quente, debaixo do sol quente, caçando passarinho e matando calango. E acho que por mais um pouco eu também poderia sentir o cheiro de saudade, ver a cor do vento e mais um monte de coisa que nenhum outro adulto entenderia. Eu e todas as crianças daquele tempo, que também corriam descalças, debaixo do sol quente, caçando passarinho e matando calango quinem eu, também conseguiam. Ah, o Sertão... O interior.
 “Assistir Encantrago me fez sentir orgulho de ser cearense”, essas foram as palavras de um amigo e que faço minhas as palavras dele. Encantrago-Me-Fez-Sentir-Orgulho-De-Ser-Cearense. Meus parabéns!

 E é interessante como o ator, o teatro, a peça teatral é tão doada assim, inteiramente ao espectador, evocando suas emoções, suas curiosidades, as vidas que levaram – no meu caso, a vida que eu levei até meus cinco/seis anos no interior do Ceará, em Canindé, descobrindo um pouquinho do meu Sertão – os instintos que tinham e que têm. Ainda me impressiono e desejo continuar me impressionando com as sensações que o teatro e as peças me trazem, sobretudo o que Encantrago me trouxe.
 E refleti sobre a loucura e sobre a necessidade que temos de loucura para que possamos sobreviver. Isso: sobreviver. Senti que nossas crenças também são um instinto de sobrevivência. “É preciso que tenhamos a crença na religião para não sucumbirmos à loucura”, foi mais ou menos isso o que ouvi num trecho do espetáculo. E lembrei-me de uma citação de Luiz Carlos Maciel: “Tudo é divisão. Esquizofrenia. Drama.”

 E percebi a nossa esquizofrenia perante às coisas: nossas crenças, que fazem parte do nosso instinto de sobrevivência, nos faz esquizofrênicos, conjurando deuses, rituais, rezas, para que possamos fugir da – vejam vocês que contraditório! – nossa loucura.

 Controlamos loucura com esquizofrenia/crenças/religiões/deuses/rituais/rezas – que, no fundo, tudo isso é quase a mesma coisa.
E o povo do Sertão tem, assim como suas próprias crenças, também suas próprias leis, suas próprias formas de “resolver tal problema”. Um sistema, um esquema social regado não de ignorância devido o senso comum, mas uma divisão regada por uma intelectualidade, inteligência e experiência próprias, sertaneja. A experiência e inteligência do homem que passa o dia debaixo do Sol quente, de uns que têm o facão, que têm a sede, mas que tem o forrozinho, a rapadura, a cachaça, a pinga e o Sertão com como um todo. Um povo que tem um patrimônio, um mundo complexo e paradoxal que é a vida no Sertão.

 Os mistérios, a inquietude, o demônio &  diabo & belzebu, a terra quente, vela & lamparina: O Sertão. Encantrago: Ver De Rosa Um Ser Tão.
 E a todos vocês do Grupo Expressões Humanas e toda técnica do Espetáculo  - com “E” maiúsculo  - com seus objetivos conquistados de fornecer “Um teatro que atinga o ser em sua plenitude: Inteligência, instinto, sentimentos, sonhos, nervos, vísceras e coração, eu agradeço:
 
Obrigado.
 Um beijo a todos.
Tiago Castelo."

Nós é que agradecemos! Muito obrigado pelo carinho!
Segue-se a travessia...

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