Diário de Bordo - Cuiabá


Por João Paulo Pinho

1ª Apresentação:

Frio. Tomara que não chova mais tarde, aqui as pessoas não gostam do frio, falou Flávia – funcionária SESC Arsenal, que nos recebeu. Mais tarde não choveu, mas fez frio. Depois de uma correria pra montar luz e o imprevisto de ter que voltar ao hotel pra pegar meu tapa-sexo que havia ficado, ocupamos o teatro uma hora antes da apresentação. Aquecimento vocal e corporal, seguido de passagem técnica de algumas músicas elencadas na reunião dos grupos realizada na noite anterior, no quarto da Monique. A imensidão do espaço parecia esconder os espectadores. Assim que saímos pra iniciar o cortejo, cadê o público? Algumas pessoas se aproximavam quando iniciamos o som da valsa de entrada. Contabilizaram 25 pessoas. A experiência que tivemos com pouco público não havia sido boa. Outra surpresa. As mesmas 25 pessoas, somadas aos 10 atores, pareciam lotar a vasta sala. A troca, objetivo principal da proposta cênica, aconteceu de modo fluido e envolvente. Energia. Ao final, um ciclo de pate-papo mediado pela diretora local, Maira. A conversa aconteceu de modo bastante descontraído e produtivo, quase todos os espectadores permaneceram no teatro. Dali saímos para provar do tão falado escaldado (espécie de sopa feita com farinha, ovos e frango – um verdadeiro caldo de caridade) com alguns artistas locais, o que nos proporcionou aprofundar o assunto instigado no “debate”.

2ª Apresentação:

De manhã cedinho o carro nos pegou para irmos à Chapada dos Guimarães, passeio tentador que não conseguimos recusar. Banho de cachoeira, vista linda, névoa, calor, penhasco, mirante e muitas ladeiras. Tudo isso entre as 8h e 14h. Descansamos um pouco e lá estávamos nós, mais um vez na van, para ir ao teatro arrumar os adereços e energizar o corpo e o espaço. Mais uma correria. Alguns corpos cansados da aventura matinal, outros meio doentes da constante mudança de temperatura. Um teatro lotado dessa vez e mais uma apresentação de Encantrago. Ai como é bom fazer esse espetáculo e redescobri-lo a cada apresentação! O público, o espaço, a temperatura, o ciclo menstrual das meninas, as relações pessoais e tantos outros fatores, tudo influi ao mesmo tempo que desaparece em cena para se revelar algo mais profundo, corpos que se doam e lançam na difícil tarefa de contar/viver estórias. No debate dessa noite, mais descobertas. Conversamos sobre a preparação para a palavra e sobre esse retorno ao teatro ritualístico. O texto como música e a música como texto. Preparar a introdução do verbo é mais que um cuidado com a linguagem peculiar rosiana, é antes de tudo estabelecer nesse ritual uma comunicação para além da palavra, uma narrativa vivenciada. Sobre esse retorno ao ritual, o que propomos é re-estabelecer a relação entre ator e espectador. Em tempos de modernidade e crises, onde as artes se co-relacionam e aderem novos padrões e formas, questionamentos sobre a essencialidade emanam afim de [re]encontrar uma matriz fundamental das expressões artísticas. No caso do teatro, muitos questionamentos surgem acerca do ator completo. Qual seria esse artista? Grotowski propõe que se fuja à ideia de que seria aquele que compile todas as técnicas/expressões artísticas (música, dança, circo, etc.) em detrimento de um ator que baseie-se no fenômeno primordial para a realização do fazer teatral: a relação entre ator e espectador. Nesse sentido, buscamos re-estabelecer a espontaneidade pulsante através da proposição de um novo jogo/ritual onde as regras são criadas no instante da cena. Assim, o teatro ritual foge do religioso no sentido de que os ritos não são pré-estabelecidos e sim construídos no ato. Como o próprio Grotowski afirmou: "O ritual teatral, não religioso, mas humano: através do ato, não através da fé." .



Por Juliana Veras

O Sesc Arsenal em Cuiabá lembrou-me casarões de serra antigos. Encantrago se apresentou lá duas vezes, em uma sala grande toda de madeira, bem calorosa.
O material gráfico de Cuiabá está diferente do que o festival nacional propõe, interessantíssimo, nas camisas temos os nomes dos espetáculos do festival de lá, dentro de um colorido salpicado como espirro de tinta ou água sacolejada, lindo. A recepção da Flávia foi bastante agradável, e com toda demora, a técnica teve um resultado bom, a meu ver de atriz. Houve algum problema com a mesa, para tirar o juízo do Tomaz. Pena não termos podido marcar os focos, mas não comprometeu a apresentação.
As vozes sofreram um pouco em razão do choque térmico, principalmente no primeiro dia. Aquecemos direitinho, afinamos as músicas, mas a cena zero é fora do espaço. Sala aquecida, hall congelante! Mas a beleza do lugar pagou qualquer desespero. O bate-papo ao final da primeira apresentação foi mediado pela Maira, a quem aqui cabe uma saudação especial, que teve a delicadeza e o profissionalismo de inteirar-se muito bem do espetáculo, lendo nosso material no blog, pesquisando, enfim, guiou a conversa com maestria (Iêda, mãe, tesouro, um beijão!!) Os espectadores disseram que o público do Palco Giratório de Cuiabá estava acostumado a ver um espetáculo por dia, ou seja, mais cedo houve O Amargo Santo da Purificação, do Ói Nóis Aqui Traveiz, e depois todos se recolheram para a apresentação do dia seguinte. Menos frio, mais gente. Quem foi, curtiu.
É interessante como sempre encontramos amantes do Guimarães, do Manoel de Barros, que pela paixão pela literatura acabam sempre comentando algo. Entre espectadores e organizadores, lá encontramos pessoas envolvidas não só com o teatro, mas como a música, cujos comentários são sempre muito bem vindos, além da experiência de vida cativante e eletrizante da dona Iêda, por exemplo. Obrigada, Cuiabá, pelo calor no meio desse frio. Obrigada Júnior motorista, que nos levou para conhecer uma das casas de veraneio de Deus, a Chapada dos Guimarães. Lá, existe uma cachoeira encantada.... inefável.


Por Marina Brizeno 



De uma forma geral as viagens todas têm me proporcionado sensações máximas de vida. Ainda mais quando conseguimos realizar uma apresentação como foi a primeira das duas que aconteceram em Cuiabá. E não foi pela quantidade de público, pois até que o número, com relação à capacidade do espaço, foi bem pequeno. Foi mais pela energia que rolou, pela troca sincera e constante que nos fez estar completamente naquilo que fazíamos. Foi uma daquelas apresentações das quais não vou (e ouso dizer, não vamos) esquecer.
E depois a troca com o bate-papo, elemento que até então ainda não tinha acontecido, com exceção de Fortaleza, só veio a somar, a tornar o espetáculo e a emoção pela partilha mais inteiros... Pessoas que não posso deixar de citar: Maira, mediadora do bate-papo, uma mulher vermelha e doce que se permitiu sensibilizar pela peça e que fez crescer a vontade de fazermos o CD com as músicas do espetáculo; Luciana, a cantora que chorou com a música de Oxúm, e seus dois amigos (clowns). Não vou esquecer a energia, observações e comentários que me foram tão comunicativos e ricos. Ah... e o Júnior, nosso motorista, que nos mostrou um bocado dos pedaços inesquecíveis dessa viagem de calor/frio, claridade/névoa.

Por Marina Brito
De 37° á 17°... meu Deus! Foi assim que Cuiabá nos recebeu, com essa mudança brusca de temperatura. Bem como a cidade: surpreendente! Sim, diante daquele friozinho, o primeiro dia foi de um público bem ameno, mas de repente no outro dia... mais gente! E é que estava mais frio. Meus ossos doíam um pouco... não estava muito bem de saúde. Mas é tão engraçado, a vontade que a gente fica de fazer e trazer pra cena o melhor que temos e festejar o Encantrago faça chuva ou faça sol! 
Então foi assim, mesmo adoentada, com febre e dor no corpo, por conta das mudanças bruscas de temperatura, parece que a gente não sente muito bem durante a apresentação. Seu corpo fica atento a jogo cênico, aos espectadores. Temos que estar vivo, mesmo morrendo. Nas duas apresentações, eu gostei muito, mas me percebi muito tecnicamente pensante na cena para que desse tudo certo, pois meu corpo estava com uma menor energia necessária ao espetáculo. O público nos ajudou muito. Sempre ajudam. Gosto muito de agradacer com palmas o público no final do espetáculo por que eles atuam também junto com a gente e nossa apresentação depende muito da energia emanada deles. Durante os debates, maravilhosamente mediado por duas atrizes da cidade, percebi uma ótima recepção dos Cuiabanos. Obrigada! Axé!

Por Herê Aquino


Saímos do frio de Porto Alegre para o calor de Cuiabá. Choque térmico no primeiro momento... temperatura que variou entre os 12° e 38°, fadiga no corpo de madrugar nos aeroportos... presente de Cuiabá que caprichou num clima mais ameno durante nossa estadia... felicidade e adaptação rápida... Espaço de apresentação lindo... salão do SESC Arsenal... Encantrago se arruma para receber os Cuiabanos.
Em relação à apresentação foi entrega total do público à proposta do espetáculo que prima por esse encontro e por essa troca entre os atores e os espectadores. Os olhares se traiam entre o momento de encantamento e o crítico. Emoção e pensamento que dialeticamente duelavam e se complementavam no turbilhão de manifestações que aconteceram durante o espetáculo. Razão e emoção, intelectualidade e sensorial que longe de se apartarem completaram essa totalidade que se faz na busca pelo equilíbrio no desequilíbrio, no cosmo que se forma a partir do caos, da morte que surge para o nascimento de uma nova vida.
O bacana desse projeto é isso: propiciar a possibilidade do encontro entre as pessoas, entre as estéticas, pensamentos, emoções, fantasias que nos revigora a alma de artista. Encanta-me as pessoas, os bate-papos pós espetáculo, as curiosidades, os comentários deixados em nosso livro de visitas, tão sinceros, tão cheios de sentimentos e agradecimentos pelo encontro. Pra nós fica essa sensação de estar sempre partindo, mas levando na mochila um pouquinho de cada cidade, cultura, pessoa e experiências adquiridas durante cada pouso.  Afinal, faz parte de nossa alma de artista estar sempre indo em busca de novas descobertas com a alma ávida e repleta de desejos.
Evoé!!!

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